O dever do STF de decidir a tributação de bens digitais

11/01/2019

O dever do STF de decidir a tributação de bens digitais
Valor Econômico

Tathiane Piscitelli

Esta semana tive o prazer de participar de uma mesa de debates na Universidade de Oxford, mediada pelo professor Stefan Dercon, na qual professores de diversas áreas discutiram os desafios da implementação de medidas de governança global para países em desenvolvimento, na era da economia digital. Um dos temas centrais foi o impacto do direito tributário nessas medidas.

De um ponto de vista geral, é possível dizer que as dúvidas e desafios são semelhantes àqueles que já conhecemos: como identificar o local no qual o tributo sobre as transações com bens digitais é devido; como, a um só tempo, incentivar a inovação e assegurar receitas para os Estados consumidores; e, ainda, se faz sentido um tributo sobre a receita, com o abandono do IVA, imposto sobre valor agregado, e largamente utilizado nos países da União Europeia e OCDE.

Especificamente quanto à utilização de tributos sobre a receita e não sobre o bem intangível objeto de transação, um desenho possível no Brasil seria a criação de um tributo federal incidente sobre transações financeiras relacionadas com tais operações: o tributo seria retido na fonte, no momento da concretização do pagamento via instituição financeira.

Ainda que isso implique ampliação da competência tributária da União e imponha desafios quanto à repartição da receita entre Estados e municípios, parece-me que a existência de um único tributo traria mais simplicidade e segurança jurídica para os contribuintes.

Cogitar dessa possibilidade, no entanto, implica a superação da disputa tributária entre Estados e municípios acerca da competência para a tributação de bens digitais, com a consequente inserção do Brasil no debate internacional sobre economia digital. A inexistência de consenso interno sobre o tributo a ser recolhido sobre tais operações impede que o Brasil cogite de alternativas tributárias mais racionais, além de elevar significativamente o nível de instabilidade de nosso ordenamento.

O término desse debate, porém, depende menos dos Estados e municípios, que atualmente enfrentam dificuldades severas em suas contas públicas, e mais do Supremo Tribunal Federal. Como é sabido, a correta tributação dos bens transferidos via digital está pendente de julgamento no Supremo desde 1998.

O recente Convênio ICMS 106/2017 jogou novas luzes sobre o tema e renovou a esperança dos contribuintes de tê-lo finalmente apreciado pelo tribunal. Atualmente, temos ao menos três ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) que discutem a matéria, mas nenhuma com o julgamento sequer iniciado.

A discussão sobre esses temas é premente e avança rapidamente no resto do mundo. O Brasil precisa resolver, de forma definitiva, seu conflitos tributários internos que se arrastam por mais de 20 anos. Caso contrário, corremos risco não apenas de fuga de investimentos, como também de sermos atropelados por soluções globais que estão sendo construídas à nossa revelia, enquanto permanecemos presos em questões paroquiais.

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