Eu fiz a repatriação. E agora?

23/01/2019

Eu fiz a repatriação. E agora?
DCI

Marcelo Gomes

Desde a promulgação das leis 13.254/2016 e 13.428/2017, um grande número de empresas e indivíduos reconheceu a existência de movimentações financeiras, repatriaram recursos e quitaram seus débitos perante o Fisco.

Em primeiro lugar, é preciso deixar bem claro que manter recursos no exterior não é crime. Essas contas existem para proteger patrimônios, facilitar negócios com empresas estrangeiras em transações no exterior ou facilitar a vida em dupla cidadania, dentre outras justificativas.

O crime de sonegação também não enseja a prisão do proprietário da conta, caso ela tenha sido reconhecida nos termos das leis vigentes e os impostos recolhidos nos prazos corretos.

Ora, se fiz a repatriação nos termos da lei por que haveria de me preocupar com algum tipo de risco? Afinal, não tenho envolvimento com o crime organizado, nem estou na lista dos alvos de operações de combate à corrupção iniciadas pelas autoridades brasileiras.

Tudo isso pode ser verdade ou não. Nesse momento, chamo para reflexão: você tem consciência de toda a movimentação dessas contas? Quem lhe fez os depósitos no exterior, encaminhou os recursos de sua própria conta ou de terceiros? Para cada crédito em sua conta no exterior, você sabe quem e por que lhe fez depósitos?

Por exemplo, se você, hipoteticamente, quis trazer recursos para o Brasil, utilizou doleiros?

Para cada débito na sua conta no exterior, sabe quem lhe depositou os recursos em suas contas no Brasil? Se não há respostas seguras a essas perguntas, receio que seus problemas com o Fisco estão regularizados, mas a exposição a outros riscos envolvendo crimes de corrupção ou lavagem de dinheiro são iminentes.

Transações em contas no exterior via terceiros ou doleiros podem ensejar o uso da conta de terceiros para lavar dinheiro sujo, utilizando recursos limpos para legitimar operações realizadas por criminosos.

Evitar implicações em procedimentos criminais e exposição desses atos ilícitos na mídia pode ser primordial para a reputação pessoal e dos negócios.

O primeiro movimento para minimizar o risco de exposição é ter um advogado criminal que apresentará o caso nos órgãos de repressão ao crime.

Também é importante preparar um comunicado de boa-fé, informando a esses órgãos as transações realizadas, com quem o limite legal de acesso a informações financeiras pode ser alcançado e como elas se efetivaram nas entradas e saídas da conta no exterior.

Esse comunicado, subsidiado por um laudo pericial extrajudicial, descrevendo as transações e anexando os documentos probatórios de uma ação de investigação própria, aprimora a credibilidade do comunicante e facilita o encaminhamento.

Com tudo isso, as chances de exposição do nome do indivíduo ou da empresa se reduzem drasticamente.

As chances de um acordo de leniência ou de colaboração premiada, com penalidades mais brandas também são maiores. Por fim, toda essa preocupação está fundamentada na Ação 14 para o ano de 2019 definida pela Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e a Lavagem de Ativos (ENCCLA), que deixa bem clara a intenção de investigar crimes de lavagem de dinheiro decorrentes de crimes tributários – e aqui pode-se ler “repatriação de ativos”.

Marcelo Gomes é sócio da forense da KPMG no Brasil

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