Proteção de dados como direito fundamental

18/07/2019

Proteção de dados como direito fundamental
Valor Econômico

Juarez Quadros

Em 2018, o Congresso Nacional aprovou a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que deverá entrar em vigor no país em 2020. Leis como a brasileira e a europeia "General Data Protection Regulation" (GDPR) são dispositivos importantes para o aumento da transparência em sistemas que empreguem Inteligência Artificial (IA).

Quando o Poder Executivo sancionou a LGDP (Lei 13.709/2018), vetou a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) na forma como foi proposta pelo poder legislativo. A fundamentação foi de que a criação de autarquias vinculadas à União é matéria de competência exclusiva do Executivo.

A lei brasileira aprovada no Legislativo previa uma autoridade independente, semelhante a disposta na lei europeia. Como essa parte da lei foi vetada, em substituição ao veto, em 27/12/2018, foi proposta pelo Executivo a Medida Provisória (MP 869/2018), mas com a autoridade ligada à Presidência da República. No final de 2018, o governo que terminava publicou a referida medida provisória, que, no início de 2019, foi renovada pelo governo que entrava, sem mudanças.

Em 29 de maio último, o plenário do Senado aprovou a conversão em lei da MP 869/2018, nos termos aprovados pela Câmara no dia anterior. Ficará então a ANPD responsável por normatizar e fiscalizar a aplicação da LGDP no tratamento de dados pessoais nos setores público e privado. A autoridade terá autonomia, mas ficará vinculada à Presidência da República, com a possibilidade de ser transformada em autarquia federal em até dois anos.

Aspectos regulatórios importantes quanto ao uso responsável da IA são a privacidade de dados pessoais coletados, armazenados, utilizados e compartilhados; a fim de evitar que decisões tomadas por algoritmos sejam preconceituosas; levando em consideração temas sensíveis como classe social, credo, doença pré-existente, idade, nacionalidade, orientação sexual e raça.

Como a proteção de dados pessoais incorpora várias formas da vida cotidiana, com significativas e rápidas mudanças, a cautela com as consequências precisa ser ainda maior. Algumas das preocupações dizem respeito a, por exemplo, máquinas tomando decisões que afetam de modo direto a vida das pessoas, invasão de privacidade por meio do acesso a dados pessoais e a amplificação de modelos preconceituosos. Isso tudo tem levado a um movimento internacional em defesa do uso responsável da IA.

A IA pode ajudar a detectar ameaças de fraude, garantir segurança cibernética, proteger a liberdade de expressão, prevenir crimes, melhorar o gerenciamento de riscos financeiros, saúde e mudanças climáticas. Mas, também, infelizmente pode ser usada para apoiar práticas inescrupulosas.

O domínio da IA é plano estratégico de muitos governos pelo mundo. A China, por exemplo, pretende criar uma indústria local da ordem de US$ 150 bilhões para tornar-se a principal potência do setor até 2030. Os gastos globais com sistemas de Inteligência Artificial devem alcançar US$ 35,8 bilhões em 2019, o equivalente a R$ 140 bilhões, o que representa um aumento de 44% sobre os investimentos realizados em 2018.

Com os investimentos agressivos em capacidades de Inteligência Artificial, a previsão da IDC (consultoria especializada em tecnologia) é de que mundialmente eles irão mais do que dobrar até 2022, para US$ 79,2 bilhões, ou seja, mais de R$ 300 bilhões. A IDC prevê que no Brasil, em 2019, as soluções de próxima geração para serviços e soluções, como Inteligência Artificial, deverão atingir US$ 671 milhões, crescendo em ritmo 2,5 vezes mais rápido do que soluções tradicionais.

Ante o crescente uso de dados, a União Europeia atualizou, em 2016, suas diretivas para proteção de dados com o GDPR. Seus dispositivos regulam a coleta, o armazenamento e o uso de informação pessoal. Também dá às autoridades de controle de uso de dados o poder investigativo e eficientes ferramentas corretivas. Em 2018, a GDPR entrou em vigor nos países da União Europeia.

Nos Estados Unidos, em abril do ano corrente, legisladores apresentaram um projeto de lei para a Inteligência Artificial. Chamado de "Algorithmic Accountability Act", o projeto dispõe que as empresas auditem seus sistemas de "machine learning" quanto a preconceitos e discriminação, e tomem medidas corretivas se problemas forem detectados. A competência regulatória será da "Federal Trade Commission" (FTC), agência também encarregada das proteções do consumidor e da regulação antitruste.

Como o Brasil busca ingressar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), deve considerar as diretrizes sobre privacidade e a análise que a Organização faz sobre o tema. Lembrar que OCDE possuía 36 países até 2018, dos quais constam México (desde 1994) e Chile (desde 2010). A OCDE destaca o México como o primeiro país latino-americano com uma autoridade de proteção de dados. A Colômbia teria sido aceita em 2018 e seria o 37º país membro. E o Brasil quando será?

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados requer a atenção dos membros dos poderes constituídos, com vontade republicana e visão estratégica, objetivando inserir o país no contexto positivo global. Afinal de contas, o Brasil é a 8ª economia mundial e opera a 5ª maior rede de telecomunicações do planeta Terra.

Nesse contexto, o plenário do Senado aprovou no último dia 2/7 a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 17/2019) que inclui a proteção de dados pessoais disponíveis em meios digitais na lista das garantias individuais da Constituição Federal. O texto da PEC segue agora para votação na Câmara, onde provavelmente também será aprovada.

Constitucionalizando a questão e reconhecendo a importância do tema, o Brasil inicia um processo de classificação do direito à proteção de dados como fundamental. Assim, o Estado, a sociedade, o cidadão, podem ter direito, como regra geral, ao conhecimento do outro, desde que haja realmente necessidade. Do contrário, é preciso preservar ao máximo a intimidade e a privacidade dos dados.

Juarez Quadros do Nascimento é engenheiro eletricista, e já foi ministro de Estado das Comunicações e presidente da Anatel.

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