Paulo Guedes e a isenção fiscal dos dividendos

20/03/2019

Paulo Guedes e a isenção fiscal dos dividendos
Valor Econômico

André Rocha

No segundo semestre de 2004, a Telefônica - ainda apenas uma operadora de telefonia fixa, antes da consolidação com a Vivo - aumentou os dividendos distribuídos. Suas ações, que negociavam com desconto em relação às da Telemar (atual Oi) com base no múltiplo FV/Ebitda, se apreciaram.

Na época, trabalhando como analista e "portfolio manager" na gestora do BankBoston, suspeitei que aquela valorização decorresse principalmente da elevação do retorno com dividendos ("dividend yield"). Mas não tinha como provar, pois poderia ser derivada de outras razões.

Carreguei essa dúvida por quase 15 anos. Minha dissertação de mestrado em Economia do FGV/EPGE confirmou a minha suspeita: o "dividend yield" influencia o retorno das ações das empresas brasileiras. Por que isso ocorre? O fim da isenção fiscal dos dividendos estudada pelo ministro Paulo Guedes (Economia) pode afetar o retorno das ações brasileiras? O que realmente impacta o preço das ações?

No consagrado modelo CAPM, o único fator que afeta o retorno é o beta, medida da volatilidade de uma ação individual em relação ao mercado. Muitos anos depois, Eugene Fama e Kenneth French resolveram testar empiricamente se o beta realmente explicava o retorno extraordinário das ações. Concluíram que não.

O que afetava o retorno das ações era o tamanho da empresa e o indicador valor patrimonial (VP) sobre valor de mercado (VM). Quanto menor a companhia, maior tendia a ser o retorno e quanto maior o múltiplo, maior o retorno. Posteriormente, outros autores e mesmo Fama e French ampliaram o modelo para incluir outros fatores como "momentum", liquidez e rentabilidade, por exemplo.

Fustigado pela minha dúvida que já virava debutante, resolvi agregar ao modelo original de Fama e French de três fatores (beta, tamanho e múltiplo VP/VM) dois outros indicadores: o "dividend yield" e o "payout ratio".

As variáveis foram coletadas em um período de 20 anos compreendido entre julho/98 a junho/18 com 1.254 observações. A regressão chegou às mesmas conclusões de Fama e French em relação ao tamanho, múltiplo VP/VM e beta. O "dividend yield" apresentou forte significância estatística a 1%, confirmando o meu pressentimento no caso da Telefônica. Já o "payout ratio" só foi relevante quando a regressão era rodada excluindo-se os anos recessivos.

Outro teste foi formar anualmente quatro carteiras selecionadas por ordem crescente de "dividend yield", sendo a primeira composta por ações que não pagaram dividendos no exercício (SD). As carteiras com maior "dividend yield" (III), em média, foram as de maior retorno (e maior "payout ratio"), corroborando minha suspeita inicial.

Mas por que os dividendos influenciam o retorno das ações brasileiras? Minha dissertação não responde a questão. Necessita-se de estudos adicionais (tenho interesse de pesquisar a respeito!), mas podem-se levantar algumas hipóteses.

A primeira é a de que "dividend yield" elevado gera maior retorno devido à fragilidade da governança corporativa nas companhias brasileiras. Frank Easterbrook mostrou que a distribuição dos resultados pode mitigar conflitos de agência ao reduzir o caixa disponível das companhias a disposição dos administradores, levando-os a buscar recursos no mercado quando passam a ser supervisionados por analistas de ações e credores. Deixar dinheiro nas mãos dos administradores não é bom negócio. Contudo, não basta a distribuição de dividendos. O investidor escolhe tais empresas desde que o "dividend yield" seja atrativo.

A segunda é a de que o maior retorno das ações de alto "dividend yield" no Brasil pode ser devido ao benefício fiscal dos dividendos. Edwin Elton e Martin Gruber mostraram que a política de remuneração do acionista leva em conta regras tributárias. Como no Brasil os dividendos são isentos, as companhias apresentam maior propensão a distribuir proventos, o que eleva o "dividend yield".

Guedes tem estudado o fim da isenção fiscal dos dividendos e a eliminação do benefício fiscal dos juros sobre o capital próprio para as companhias. Essas medidas podem reduzir a distribuição dos dividendos e, por consequência, o retorno das ações. Gestores de fundos de investimentos que adotam a estratégia de selecionar seus ativos tomando por base os dividendos podem ver suas táticas fracassarem.

O dividendo não é o único fator que afeta o retorno das ações brasileiras, mas sem dúvida é um dos mais importantes. Com base no estudo, isso não é mais uma suposição, mas um fato.

André Rocha é analista licenciado da Apimec, atua há 20 anos como especialista na avaliação de companhias listadas na bolsa e é analista da Jardim Botânico Investimentos

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