Contrato digitais e Liberdade Econômica

12/09/2019

Contrato digitais e Liberdade Econômica
Valor Econômico

Paulo Henrique Gomiero

Recentemente temos acompanhando diversas reformas legislativas que terão um alto impacto no cotidiano de pessoas físicas e jurídicas. Dentre tais reformas, a Lei da Liberdade Econômica aprovada pelo congresso merece atenção especial. Isto porque, referida norma estabelece uma declaração de direitos, ou seja, pretende o governo fazer desta lei um marco regulatório com efeitos em diferentes áreas, tais como trabalhista, comercial, direitos de vizinhança dentre outros, com o objetivo fim de desburocratizar as relações econômicas.

Especificamente sobre a desburocratização de documentos, prevê o texto base o direito a todas pessoas físicas e jurídicas de arquivar documentos em microfilme ou em meio digital que, para todos os fins legais, será equiparado ao documento físico inclusive para prática de atos de direito público.

Embora haja referência a um regulamento que disporá a respeito, ou seja, um decreto que estabelecerá os requisitos técnicos do documento digital, é importante desde logo notar que há um campo fértil para o crescimento dos contratos digitais visto que o pano de fundo da nova legislação é justamente a liberdade econômica e a eliminação de burocracias.

Atualmente, os contratos digitais são reconhecidos na legislação brasileira, enfrentando, porém, uma série de limitações para o seu reconhecimento. A medida provisória 2.200-2/01 regulamenta a estrutura de chaves públicas e a validade das assinaturas digitais que obedeçam determinada certificação, sendo esta basicamente a única previsão legal para assinatura de contratos digitais. Referida medida não obsta o reconhecimento de documentos digitais que usem tecnologia de assinaturas diversa daquela prevista na norma, deixando, contudo, uma imensa lacuna de como tais documentos serão ou não aceitos na prática de determinados atos que dependam do reconhecimento da validade das assinaturas, aumentando a incerteza jurídica nas relações.

Sob esta incerteza, os contratos eletrônicos são analisados de maneira muito conservadora, afetando a amplitude de seu uso. Hoje, tais contratos ou são assinados com a certificação prevista na medida provisória 2.200-2/01, ou por meio de tecnologias específicas que permitam aferir as assinaturas, mas sempre com a sombra de como tais documentos serão interpretados em eventual discussão na Justiça ou por outros órgãos públicos, até mesmo para efeitos de registros e averbações.

Há de se notar também que, atualmente, há um certo consenso sobre a impossibilidade do uso de documentos eletrônicos para a prática de certos atos solenes, notadamente com o poder público, o que claramente a nova legislação pretende dar tratamento diverso, passando a admitir amplamente.

Neste intuito de facilitar o ambiente de negócios, o cenário propicia evolução no trato de documentos eletrônicos. Não há como negar que hoje em dia as relações estão cada vez mais digitais, com pessoas situadas nas mais diferentes localidades e realizando transações por contratos o tempo todo. Quanto mais nos aproximarmos do modelo de admitir, sem entraves, o uso de documentos digitais, haverá mais segurança jurídica e velocidade nas transações, gerando ganhos.

Este é o momento de reconhecer que o documento digital (assinado com chaves eletrônicas) deve ter a mesma validade dos contratos assinados e após digitalizados pelas partes.

Nem sempre as pessoas físicas e jurídicas estarão aptas a se valer das tecnologias de certificação, mas poderão valer-se da digitalização para realizar seus contratos de maneira célere e não burocrática. Não admitir esta evolução, significaria manter o status quo, ou seja, os contratos digitais seriam aceitos tais como são na legislação atual e todas as suas incertezas.

Ao analisar a legislação de outros países, tais como Estados Unidos e Alemanha, notamos que a nenhum documento deve ser negado efeitos legais somente porque está em formato digital (referência ao Electronic Signatures in Global and National Commerce Act dos Estados Unidos que foi amplamente comemorado no país como marco de desburocratização). O esperado é que a nova legislação nos aproxime deste tipo de realidade, inclusive para a interação com órgãos públicos.

De fato, sempre haverá o questionamento sobre a veracidade das assinaturas nos documentos, visando não haver fraudes, questão esta resolvida pelas assinaturas feitas com certificação. Ao admitir o contrato digital ou digitalizado em qualquer transação (desde que não solene ou com forma prevista em lei), cabe atenção aos meios de prova de sua ocorrência, como o conceito trazido pelo direito inglês da "best evidence rule" (a regra da melhor prova) permitindo e-mails, troca de mensagens ou qualquer outra evidência que demonstre o acordo firmado entre as partes. Este tipo de questão encontra guarida na legislação atual, nos postulados da boa-fé objetiva, a proibição de comportamentos contraditórios, além de ser claramente um objetivo pretendido pela lei - a liberdade.

Ainda sobre boa-fé, a novel legislação diz expressamente que esta é presumida na interpretação e exercício da atividade econômica sendo lícito às partes, em alguns casos, até mesmo estabelecer as regras de como os contratos devem ser interpretados. Sendo assim, não haveria qualquer proibição para as partes negociarem que os documentos sejam digitalizados ou eletrônicos.

Ainda não há um texto deste regulamento, mas este é o momento adequado de levantar a discussão sobre documentos digitais e/ou digitalizados. Reconhecer por regulamento a validade de documentos nestes formatos certamente afirmará o direito de liberdade econômica e desburocratização das relações. Do contrário a lei traria somente um jogo de palavras mantendo as inseguranças atuais.

Paulo Henrique Gomiero é Head Legal & Compliance da consultoria Alvarez & Marsal

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